Fazia tempo que não chovia assim. Continuamente, sem um raio de sol, o
dia inteiro. O céu cinza e aquela chuva interminável, como sua vontade
envolvente de não fazer nada! Parado na janela olhava a água lavar a
mesa do jardim, o tapete que não recolheu, e a ausência dos pássaros,
que vez ou outra se manifestavam ocultos, preenchia o cenário triste com
a trilha adequada.
Fazia tempo que não assistia àquele filme que parece ir juntando
todos os órgãos bem no meio do corpo, e no fim, estrangula tudo. Aquela
situação que o faz parecer o mais inútil dos humanos, sofrendo por algo
tão piegas frente a tanta injustiça do mundo. Mesmo assim, seu
sentimento não minimizou, e no seu buraco interno, não cabiam as dores
sociais.
Fazia tempo que não tocava aquela música. Parecia estar pausada numa
rádio qualquer, esperando o idiota sintonizar e colocar os fones só para
ouvi-la. Ouviu inteira, e depois jogou o celular no chão. Fazia tempo
que aquele aparelho foi importante, quando havia se tornado uma extensão
do outro quando longe, e nunca mais o deixara distante.
Fazia tempo que não ficava parado, sem fazer nada, sem pensar… Apenas
sentindo a dor aguda que lhe comprimia o peito e lhe impedia de
respirar. O choro vinha feito um tsunami! Sentia o recuo das ondas nos
seu corpo, a formação daquele acúmulo de água a ser despejado sobre seu
corpo, que se contorcia no sofá. As dores tornaram-se físicas, e
contraía toda sua musculatura, até que, em posição fetal, silenciasse a
angústia. Mas era só outro intervalo, numa exaustão orgânica e
catatônica, sem controle.
Fazia tempo que não se sentia tão sozinho e que o vinho não
embriagava a dor.
Fazia tempo que a solidão não corroía tanto, e nada
parecia mais reticente do que aquele corredor . Todo aquele silêncio
começou a assustar, e o eco da casa esvaziada ampliava o monstro que
insistia em sair de dentro dele, mas seus rugidos guturais não o
soltavam! Era lá que este bicho insistia em ficar, dilacerando tudo até
que o fizesse sentir oco. E foi assim, ao escurecer. Não sentiu o tempo
correr e quando se deu conta, parecia estar de olhos fechados.
Se debruçou na janela, e a luz amarela vinda da rua o fez enxergar as plantas, mais verdes que antes… Pareciam felizes!
Levantou, desviou de moveis que não estavam mais lá, acendeu a luz da
sala e se deparou com o antigo espelho, que parecia fixado na parede
desde que seus avós terminaram a casa. Seus olhos inchados, a pele
vermelha, o fizeram a começar a chorar de novo. Mas sua cabeça latejava,
não conseguia mais. Não suportava mais a dor que já se tornara física.
Fechou os olhos ardidos e lembrou que o amor já foi feito de aroma, de
cores reluzentes, de palavras inventadas para um espaço novo de
habitação. Todos os sonhos criados e uma rotina almejada que buscam
singularidades que provem que o amor, aquele amor, é tão único e forte
como o sol. Mas assim como com o sol, os dias que acreditamos que sua
energia é inesgotável se estendem, e ele de tão essencial, não se faz
mais tão contemplativo. Apenas faz parte do que a vida é!
Fazia tempo que não imaginava a impossibilidade da vida sem sol. E
foi na dor, que se perdeu na compreensão da essencialidade do amor.