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Ensaio Reticom

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quinta-feira, 12 de março de 2015

Não eram mais flores

Não eram mais flores que conquistavam desculpas, teciam elogios ou faturavam a noite.
Não eram mais rosas vermelhas que condensavam o amor que o homem não sabe descrever.
Não eram mais rosas amarelas que fortaleciam amizades ou as brancas que faziam a paz nas relações. Não eram mais os cravos que aconchegavam a saudade na cara da morte.
Não eram mais os antúrios que proporcionava noites de gozo às mulheres solitárias. Não eram mais os lírios laranjas ou Copos-de-Leite que faziam a beleza do ritual dito sacro. Não eram mais samambaias que suportavam a opressão dos apartamentos, nem mais a Espada de São Jorge que protegia do mau olhado. Não era mais o boldo que curava o estômago, nem a hortelã que refrescava o hálito. Não eram mais os ipês que coloriam a cidade. Nem mais o eucalipto salvava a sensação do reflorestamento. As macieiras já não provavam a gravidade, e a laranjeira não perfumava mais os campos. Romã não curava a garganta e o potássio da banana não aliviava as câimbras. O azedo do morango não arrepiava mais de dentro pra fora, como foram as paixões. As frutas nasciam estéreis nas gôndolas do supermercado, e as cascas, que protegiam a carne sem gosto, tinham o brilho dos plásticos. As raízes acimentadas levaram os pássaros sobreviventes a acreditarem na prisão. Os cantos que se ouvia, vinham apenas de caminhão. Não tinha mais grama para proibir pisar, fonte para não se banhar ou nas nuvens, desenhos para acreditar. Não havia mais motivo para olhar pra cima, nem chuva mais chovia para não molhar. Não precisava mais correr, do sol se proteger, água pra filtrar, nem a lembrança de plantar. Barro não sujava mais, formiga não picava e abelha não voava. A areia não se escondia sob as unhas e as ondas não desequilibravam já que o mar não mais se movimentava. Era um grande acumulado negro de petróleo brilhante, denso e farto, garantindo a principal matéria prima da vida humana e iludindo os olhos que ainda acreditavam nas cores. Não eram mais as relações humanas, eram as relações coisais que nos garantiam. Não era mais tristeza, nem solidão. Não era mais carinho, bichinho… Não tinha mais mais emprego ou patrão. Não era o sexo que aliviava, mas também não culpava. Não era mais excitação que constrangia, nem tesão que motivava. Não tinha choro, nem vela, nem violetas na janela. Não tinha cão ou dragão, mistério ou comédia, galã nem bufão, livros ou novela. Não éramos mais humanos…
Éramos o resto de um pesadelo que ecoava na mente dela.

08 de Março, 2015

Sou mulher!
Sou menina, negra, indígena, europeia
Sou o que corre no sangue e do sangue que planta na terra.
Sou violada, consumida, mutilada.
Sou fruto histórico, de processos revolucionários e de resistência.
Sou a dor de ser vendida, trocada, usada.
Sou mãe, filha caçula, amante, namorada.
Sou resultado de lutas constantes, vencidas e derrotadas.
Sou o clitóris cortado, o corpo abusado, a carne vendida.
Sou a pele enrugada, a beleza desprezada, o frio na barriga.
Sou a culpa do mundo e sangro por isso!
Sou o ventre que pare e a culpa disso.
Sou responsável pela dor, pelo pecado, pelo prazer.
Sou pacto com o diabo, lascivo e úmido poder!
Sou o mundo rosa, lilás, violeta, vermelho, vinho e preto.
Sou rotina de guerra com corpo, desejos, culpas e medos.
Sou complexa que cala e atura.
Sou inteira quando grito na luta.

Sou trabalhadora explorada, mão de obra barata.
Sou a irmã, a vó e a mãe do filho da puta.
Sou gay, sou bi, sou trans, sou de todos os gêneros.
Sou o que o mundo anula e amordaça de todos os jeitos.
Sou o colorido de toda mistura.
Sou animal contra-cultura.
Sou o útero que nega,
o corpo que carrega,
contra patriarcado, a cura!