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Ensaio Reticom

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quarta-feira, 19 de março de 2014

Tribunal Tiradentes III - 18 Março, 2014

Acabei de chegar do tribunal. Um Tribunal Popular que, em seu veredito, condenou a lei da anistia aos militares torturadores da ditadura empresarial militar. Um Tribunal fictício, de valor legítimo e com a veracidade que só a arte traduz. Num palco cênico, de lutas políticas com personagens reais. Eu não tenho dúvida que foi um dos momentos mais emocionantes da minha história, ao unir meus sentimentos frente à liberdade paga e controlada da minha geração, frente à resistência em atuar na educação como arma intrínseca para mudanças críveis, em condições desrespeitosas e de nebulosa arbitrariedade alienante. Em união com lembranças de histórias próximas que ilustraram pela primeira vez este período à minha infância; de nomes desconhecidos de pessoas cujas histórias foram interrompidas violentamente, em um contexto que temo só de ler, ouvir, assistir... Sinto seus reflexos, mas minha pele e sanidade, ainda preservadas, não sentem o abismo sem fim, sem respostas e sem justificativas à este terror. Nossa história, enquanto cidadãos brasileiros, cidadãos deste mundo, deve ser lembrada e compartilhada com tatear, com olhar, com ouvir, sem a desdenhosa prática escolar, na qual tentaram me formar, ao passar por cima da história decorando datas e nomes de militares, reis e/ou imperadores. Os nomes das pessoas, enquanto povo, enquanto trabalhadores, devem ser repetidos, lembrados e investigados. As datas devem servir de orientações espaciais e de senso histórico, não devem ser respostas prontas para avaliações equivocadas de formação.
A história jamais se repetirá! Nos deparamos com suas consequências e alcanço a oportunidade de novas consequências aos que, em 30 anos, terão minha idade. Foi lindo ver gerações dividindo espaço, compartilhando histórias, alimentando sonhos, suportando a batalha, apoiando a resistência. O que há em mim hoje, dialoga com tudo que me permiti viver até então. E é com gratidão que sigo, que insisto e não desisto da justiça e do direito de se viver integralmente, com dignidade.
Sou mulher, atriz, vegana, feminista, educadora e acredito na emancipação e na autonomia empática como estrutura política. Esta emancipação se faz com a verdade. A verdade se chega com estudos, movidos à curiosidade e respeito.

domingo, 16 de março de 2014

Rotina

Maria tem câncer. Mas ela fumou.... fumou a vida toda, desde seus 11, 12 anos. Começou a beber cedo também, deixando a mente se perder entre as obrigações da fase adulta e as confusões internas e inúteis da adolescência. Teve que trabalhar cedo também, para ajudar em casa e pagar seus estudos. Estudos necessários para um emprego melhor, e uma vida melhor.
Maria tem 57 anos, acorda de segunda a sábado às 4h da manhã, faz café e deixa o almoço pronto, estende a roupa que lavou no tanque ontem as 22h., troca a água das gaiolas. Pega um ônibus pequeno e lotado até o trem, entra na fila na catraca por volta das 5h, chega na plataforma e segue a viagem a pé. Troca de trem, entra no metrô, segue na linha vermelha, até outra costura ferroviária para a linha azul. Viaja igualmente em pé com a sacola da marmita e sua bolsa de pertences. Depois da última baldeação, chega no trabalho por volta das 07h30. Troca de roupa, pois seu uniforme preserva suas roupas pessoais e a identifica sua posição no trabalho. Faz café, limpa as mesmas antes dos funcionários chegarem. As 09h30/10h. já terminou tudo e fuma seu primeiro cigarro do dia, no alto do prédio. Olha a vista, e agradece a deus por trabalhar na Av. Paulista! Pensa nos seus filhos, a saudade do marido recém falecido é criada pela culpa, que empurra a sensação de liberdade que a morte lhe entregou: "-Que Deus me perdoe!". Precisa correr! Desce, esquenta a marmita de alguns em banho-maria e a sua própria. Maria almoça as 11h., para não constranger os demais. Não tem fome e sua comida não está quente. Deixa sobrar arroz e feijão, só come a carne. Guarda a marmita, desce à calçada para mais um cigarro, tenta ligar para a filha mais velha, que não atende. "- Esta menina vai perder a hora de novo". Seu filho é motorista, não pode atender. Retorna aos escritório, aproveita os espaços de almoço para limpar tudo, esvaziar os lixos. Abre a porta do patrão maior bem devagar, depois de bater sem resposta. Aproveita ausência e capricha na limpeza. Acende um incenso como mandado, apesar de não acreditar que traga coisas boas, mas deus perdoa. Volta à cozinha, lava as marmitas, pratos e talheres usados. Passa um pano com veja no chão, e o café. Maria gosta quando é enviada ao banco ou correio para o escritório, se sente responsável. Passa a tarde nas filas, paga as contas e leva o troco com a responsabilidade privada do banco central. Agradece de novo. O relógio já acusa quase 17h. Maria pega uma revista e tenta ler sobre o artista da capa, que está em sua novela preferida. Mas o escritório não é lugar para coisas pessoais... Maria leva café às mesas, compra bolachinhas à alguns funcionários que lhe confiam o dinheiro. Às 18h. se veste, repousando o uniforme dobrado na cadeira, sob a mesa da cozinha, não sem antes cheirar e garantir seu uso para o dia seguinte. "-Amanhã preciso lavá-lo!" Maria sai do prédio, segue à estação de metrô e acende mais um cigarro. Mal da tempo de fumar... Entra na fila da catraca e quando chega sua vez, seu bilhete está vazio. Tenta sair, as pessoas xingam e empurram... Maria pede desculpas e assume a fila da recarga. 33 minutos depois, está em pé no trem, competindo os espaços escassos com jovens que descem antes dela. Os que estão sentados dormem e não percebem que ocupam lugares reservados. "Coitados, estão tão cansados". Maria troca de trem e chega à sua última plataforma. Desembarca e aguarda seu ônibus no ponto. Já é noite, quase 20h30 e Maria torce para não perder o começo da novela de novo...
Maria tem câncer. Pode tentar o tratamento a noite, já que não pode parar de trabalhar. Mas precisa deixar de fumar...

sábado, 15 de março de 2014

O mar a esmo. Eu marasmo...

Navego, não nego.
Reparo e não paro,
Repasso e refaço.
Está em mim o estardalhaço.

Estar de palhaço
De palha à aço.
No fim, é bagaço,
Só sobra o abraço.

No sono despeço,
E nada mais peço.
Meu medo não meço,
Mas também não me apresso.

Apreço sem preço
No meu é desejo,
Manejo e não vejo...
Respiro e almejo.

quarta-feira, 5 de março de 2014

repenso processo

...sucinto, repenso, processo.
Me calo, engulo, gargalo
Retenho, me tento e me nego
Mentindo, tentando... escasso.

ultrapasso no passo lento
revolto na volta, emerge
E meu grito contido, nem cabe.
No todo que submerge...

Suplico silêncio que quieto
Me arrasta raiz resistente
que tenta, chora e não mente.
mas passa de gente à concreto.

Deturba imagem perturba
penso que compro ta pronto.
Respiro o pranto quem planta
do sonho do ar que vem brando.