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Ensaio Reticom

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Santa Paciência

Não me peçam paciência.
Eis um sentimento que pulsa em mim sem qualquer tentativa de ser agradável.
Eis algo que me ultrapassa e me equilibra sem que eu reflita.
Algo que se faz presente mesmo quando escolho não mais tê-la.
Está em mim sem que eu tenha qualquer controle. Eis a ausência da loucura, que pode ser doce...

Minha paciência me faz aceitar a matança e exploração de animais julgados sem valores, exceto comerciais.
Minha paciência me faz andar com meus cachorros presos ao pescoço para que não incomodem os humanos. Me faz confiná-los em casa, atrelando a liberdade deles à minha vontade de caminhar.
Minha paciência me faz respirar a fumaça preta dos carros e a densa e branca de corpos, saída de churrascarias. No qual tenho que aceitar serem chamadas de restaurantes.

Minha paciência me faz ignorar vidas abandonadas, sem qualquer condição de sobrevida.
Minha paciência me faz rir embriagada ao lado de um pedaço de corpo servido com ossos ao prato vizinho.
Minha paciência guia jogos e atividades às crianças, que se quer brincam... E têm os olhos guiados pelo estômago, fisgado na carne morta que, se quer mata a fome de quem tem.
Minha paciência vira omissão frente à um mundo repleto de injustiças descaradas onde todo mundo vê e repassa ou paga o incômodo. Onde nada é culpa de ninguém. Onde os bens materiais são justificados pela luta do trabalho diário.

Minha paciência me irrita! Me irrita pensar nos que tiveram tanta paciência frente à escravidão, frente ao holocausto. Me irrita aos que, na época, não puderam fazer nada, exceto aceitar com a paciência o caminho do homem branco. Me irrita aceitar com paciência que tratemos outras espécies do mesmo modo, como propriedades e nem se quer conseguimos respeitar a nossa. Me irrita ter que esquecer por uns momentos que há crianças morrendo de doenças erradicadas e fome em lugares distantes, pois preciso me concentrar no trabalho que paga minha internet e celular. Minha paciência me irrita!!

Se nossas insatisfações, nossas revoltas, nosso senso de justiça e noção de certo e errado, ainda são calados e boicotados por uma paciência que serve para nos manter na linha confortável da nossa medíocre existência  material, que venha uma revolta sem paciência da mãe natureza e nos proponha sentir medo, fome, desesperos comuns àqueles que mantemos longe de nossos olhos, distantes de nossa mente. Que venha a força dos oceanos, do vento, a precisão do fogo, a fome da terra para lembrar-nos que somos bichos. E que nossa prioridade deveria ser viver um dia de cada vez, e que só a fome de um deveria estabelecer o limite da liberdade do outro.




sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Falta em mim..

Falta ousadia. Não tecnológica. Humana!
Falta coragem de abrir mão do seu pelo o outro
Falta autoconfiança, porque dinheiro não compra muita coisa
Falta curiosidade em descobrir que coisas são essas...

Falta interesse pelo outro, pelo meio, pelo futuro
Falta consideração para com os filhos, os pais
Falta lembrar que somos animais.

Falta usufruir antes de perder...
Coisas, pessoas, educação, esperança.
Falta faltar no trabalho quando alguém morre
Falta faltar na reunião da empresa pra ir na da escola

Falta dinheiro que compre noção, respeito, empatia
Falta prática na teoria.

Falta Deuses nas igrejas
Falta alimento nas comidas
Falta água na terra
Falta relação nas famílias.
Falta cidadão nas políticas.

Falta faltar pra gente mudar
Falta faltar no prato pra considerar a fome
Falta intolerância para com violência
Falta amor próprio, falta masturbação, falta noção.

Faltam árvores, e faltam sombras
Falta fruta no suco, falta filosofia na cerveja, falta conceito nas palavras
Faltam brincadeiras nas crianças, faltam pais nos responsáveis.

Falta de luz elétrica acaba com o ser humano...


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Olhar de turista

Escolho uma segunda de sol para passear pela cidade.
Ver SP com olhos de turista, onde tudo encanta e deixa saudade.
Passeei no Metrô até chegar a estação São Bento
Na rua sou recebida com folhas que dançam ao vento

Muitas árvores dão vida à um centro abandonado
Pombas, cães e pessoas dividem o gramado.
No calçadão, em frente à Secretária de Habitação
Um prédio inteiro tomado. Aos cuidados de uma população,
Sem moradia, sem emprego, sem cuidado.

Exercer cidadania não é apenas o lado bonito de uma sociedade doente
É buscar direitos básicos, defendido pela Constituição vigente
Na entrada do prédio, uma faixa escrita a mão convida
Para quem não tiver onde morar, tiver força e vontade de lutar
Que entre, pois o prédio abriga!

Estirados ao sol, colares, brincos e pulseiras de sementes
Elaboradas às mãos de algum morador sorridente
Da rua ou do prédio, alguns me acenam contentes
Diante a cena, percebi engravatados carentes

A diferença em não ter bens é o conceito de liberdade
Se por um lado comprar nos integra na sociedade
Por outro, nos mantém algemados na cidade
Fingindo criticidade, acreditando na autoridade.

Os bens de que não os têm é a troca constante
Vendem, compram, trabalham para viver o instante
Assumem o risco de serem itinerantes

Voltando à estação, meus ouvidos guiam meus olhos ao piano
Mochila no chão, um garoto atropela a pressa paulistana
De olhos fechados em meio a correria, Sinto a ventania deste tempo insano
Um olhar circular me exibe, o que me doeria,
Mas vejo nítido tudo que a vida engana.

A escolha é nossa, diária
Transformar instantes em momentos
Fugir de uma rotina sedentária
Viver em nosso tempo.