Páginas

Ensaio Reticom

Ensaio Reticom

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A inimizade ideológica entre o amor e a liberdade - Introdução

A amor como construção burguesa limita-se à uma relação monogâmica cujo objetivo está em ambos serem felizes pra sempre! Com a benção de deus até que a morte os separe! Aos moldes DisneyWorld.
A liberdade, apoiada na mesma construção limita-se no indivíduo e seu poder em exercê-la. A minha liberdade termina onde começa a sua. Aos moldes do capital!

A ideia de esperar alguém que nos preencha é a mesma utilizada no marketing na venda de mercadorias cuja necessidade social foi criada pelo mercado, e embutida no indivíduo. "Você será feliz se adquirir o produto". Um produto resultado de mão de obra alheia e expropriada dos trabalhadores que investiram tempo e força de trabalho à um objeto que não lhes pertence. Pertence àquele que compra, e o objetivo é que traga a satisfação e completude como quando a realização de se produzir um produto cujo valor de uso será do próprio trabalhador.
A felicidade, um conceito duvidoso, é por Marx definido pelo momento de realização da pessoa após um trabalho realizado. Lembrando que o conceito de trabalho está apoiado na dialética materialista, quando o trabalho transforma a matéria-prima E o sujeito. Na atual conjuntura, qual o emprego que proporciona a dialética? Qual a função exercida que transforma o indivíduo intelectualmente? A limitação das nossas ações, somada ao exercício da repetição e a rotina, torna-nos mecanizados e alienados frente ao processo todo de produção, impossibilitando-nos de gozar de nossas próprias forças de trabalho.
É neste contexto de expropriação que aprendemos a buscar no outro a vida que nos falta. Este encontro, quando ocorre, é preenchido com as demais necessidades (intermináveis) de ser feliz. A compra de um carro, de uma casa própria, filhos, escolas de qualidade, empregos estáveis que nos permita comprar, possuir, adquirir e acreditar que somos felizes. 
A liberdade se encaixa no direito de ser feliz, de buscar a felicidade para sempre. É a liberdade do ratinho enjaulado correr na rodinha sempre que quiser. Precisar pagar pela água, pela comida, pelo destino do cocô, só me dá a liberdade-obrigatória de conseguir dinheiro pra isso, custe o que custar. E no caminho, espero o encontro do grande amor que me saciará a incompletude, e também, ser aquela (única) que calará as angústias alheias. Se a falta do dinheiro me faz faltar as condições básicas (água, comida, cocô), pensar no amor de outro para me completar soa uma possibilidade ainda mais longínqua, mas ainda palpitante nos sonhos mais urgentes, desde criança.
Dentro das atuais condições, onde direitos básicos são violados, há ainda a cobrança de se ter alguém, UM alguém, O alguém, que não atuará como sujeito de possibilidades empáticas e de alteridade, mas sim como homem e mulher para construção divina da família, cujo sonho e objetivo, é a propriedade privada, fetichizado como a casa própria.
O fetiche, para Marx, é quando um produto, resultado da força de trabalho, vira mercadoria, uma coisa metafísica, fruto de relações objetivas de produção com alto valor de troca. Um carro é um meio de locomoção. Uma ferrari parece te levar pra outro lugar... "A forma mercadoria é a síntese das relações sociais que se erigem a partir do trabalho, de tal forma que essas relações dão-se 'não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre coisas'" (BOLOGNESI, 1996)

Marx nos alerta para a construção das relações pessoais coisificadas e relações sociais entre objetos, mercadorias no capitalismo. Considerando nossa realidade alienante, onde nos sobra vida não dormida esperamos das relações sociais o que nos prometem à venda das mercadorias. Quando nos apaixonamos, nos referimos ao outro como numa monarquia (príncipe, princesa), reproduzindo a ideologia e fetichizamos a relação. Aprendemos com o "direito natural da propriedade privada" que o que é meu é meu por direito. Aplicamos esta mesma lógica ao que é nosso por conquista - quase meritocrático -  e toda esta relação tornada social, consequentemente, se reflete nas relações pessoais.
Ser a mulher de alguém, entregue das mãos do pai ao marido. Ritual que se repete e fortalece a condição de objeto da mulher sem muitas explanações materialistas. A mulher tende a reproduzir o comportamento ao chamar de seu o homem com o qual se deita. O ato de possuir uma pessoa remete-me à escravidão, nada mais.
Voltamos ao amor! O amor como mercadoria fetichizada que promove a relação de posse entre o casal, é o amor que se permite na ideologia burguesa. Valores como fidelidade são focados no ato sexual e desconsiderado na relação que deveria ser pessoal. O compromisso é exigido carnalmente, visível aos olhos da sociedade que parece produzir mais uma mercadoria para venda. O valor de troca dos casamentos são mais elevados que o valor de uso, já que é comum que os casais se aturem para honrar o contrato. Relações pessoais estabelecidas por um contrato de reconhecimento do Estado e legitimação legal e inquestionável.
Quando se é posse, a liberdade deveria ser um ideal. Mas forma-se uma difusa utopia quando se acredita ser livre, adotando o conceito de liberdade do ratinho na gaiola, com a sensação de que se pode correr na rodinha sempre que quiser... A questão permeia nos indefiníveis conceitos de amor e liberdade, na complexidade do que se sente, considerando a construção cultural que muitas vezes nos define de fora pra dentro, e o comportamento social frente à estes dois maiores desejos da humanidade.