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Ensaio Reticom

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domingo, 13 de dezembro de 2015

Indústria Cultural



A compreensão de Indústria Cultural pode-se partir da ideia dada de industrialização da cultura, ou seja, a cultura como um processo de desenvolvimento contínuo, acelerado e repetitivo para compra e venda e para atender (e criar) uma demanda de marcado. Se entendermos o papel fundamental da Revolução Industrial para o modelo socioeconômico capitalista, rédeas da atual sociedade mundializada, se faz possível uma compreensão mais larga sobre este conceito para a cultura. E se, segundo a sociologia, cultura é tudo que o ser humano constrói, reproduz e reforça de geração em geração, por meio de comportamentos, ações, relações que caracterizam uma sociedade, torna-se possível entender que há então, na proposta de Indústria Cultural, uma otimização do processo de produção de cultura. Como se fosse necessário acelerar as produções culturais, característica especificamente humana.
Neste acelerar de produções culturais, não é possível acelerar gerações. Para que a cultura se defina enquanto característica de um povo, são necessárias gerações que fortaleçam esta construção social. A industrialização da cultura não respeita este tempo de estruturação e passa a produzir uma cultura a ser consumida, mercantilizada. E objetiva, em uma única geração, a consolidação de sua proposta comportamental por meio de mercadorias que caracterizam e definam o sujeito social, como música, moda, filmes. Assim, no senso comum, a cultura é facilmente confundida com arte.
A arte é uma manifestação exclusivamente humana, assim como a cultura, e por meio dela faz-se cultura. Como uma expressão do sujeito, a arte torna possível a construção objetiva, palpável, de sentimentos e condições subjetivas, sensações que todos os humanos reconhecem, mas poucos conseguem objetivar em palavras, formas, sons ou movimentos. Como saudade, amor, raiva... Todas estas palavras são códigos para que consigamos nos entender, foram criadas a partir de manifestações que buscavam definições para o que humano sente. Culturalmente elas se fortaleceram em nossa sociedade, tornando-se códigos comuns, mas artisticamente elas nunca serão definidas, determinadas a uma única manifestação, ampliando possibilidade de entendimentos.
A Indústria Cultural assume então a produção artística, e fazedores de arte para o mercado consumidor, criam peças que dialogam com nossas angustias, com nosso vazio, com nossas insatisfações, provocando uma rápida identificação ao ser humano que busca respostas para suas subjetividades. Vale lembrar que vivemos em uma realidade que não nos permite tempo e espaço para a produção artística que concretize nossas subjetividades, então saciamos esta necessidade numa busca externa. Nosso trabalho limita-se em atividades repetitivas cuja produção não nos pertencem e nosso tempo fora dos empregos são consumidos por mercadorias que são vendidas para nosso entretenimento, ou melhor, distração. A indústria cria momentos para que não precisemos pensar, afinal, trabalhamos a semana inteira e merecemos descansar! Este ritmo de vida imposto é resultado desta indústria que, vinculada à criação de nichos de mercado, de novas necessidades, constrói novos comportamentos sociais, ou seja, constrói cultura.
Se a cultura é uma construção natural do ser humano e passa a ser industrializada para ser consumida, ela deixa de ser um produto resultado de um trabalho para ser mercadoria resultado de um emprego! A cooptação da produção artística pelas rédeas do capitalismo provoca uma hegemonia cultural, onde o mercado mundializado cria e atende demandas por todo o planeta, tornando “natural” as mesmas formas de se comportar, se vestir, se alimentar... Podendo causar ao longo da história um genocídio cultural, descaracterizando povos que são julgados atrasados, não civilizados e causando nos sujeitos um processo de desaculturação. Para que esta cultura do capitalismo, do consumo, do fortalecimento de subjetividades individuais que parecem saciadas na compra de mercadorias seja compreendida como natural, é imprescindível que outras instituições participem desta construção cultural.
Quando a educação institucional passa a ser obrigatória ao termino da chamada primeira infância compreende-se o valor desta educação para a formação do sujeito social. É lá, na escola, que aprendemos os valores alimentados em sociedade, como se comportar, como se relacionar, como trabalhar... E ao longo deste processo educativo saímos prontos para dar continuidade a esta cultura depois de doze anos.
A formação de professores e pedagogos atende a esta necessidade de hegemonia cultural, fortalecendo padrões de comportamento por meio de sujeito frutos da Indústria Cultural, que inibe a criatividade humana, a produção artística do sujeito limitando sua forma de comunicação. A arte passa a ser distanciada, reconhecida num mercado fechado e especifico de atuação. E o possível interesse da juventude em se desenvolver artisticamente fica estruturado à fama, reconhecimento e sucesso, subjetividades que são frutos culturais da hegemonia do capital.
Professores e educadores que fortalecem esta ideologia acreditam ser imparciais no processo de ensino proposto, pois como fruto desta cultura do capital, eles entendem o comportamento de adaptação e valores sociais (apoiados na subjetividade do indivíduo) como naturais ao ser humano, e obedecem às regras como movimentos orgânicos da sociedade. Produtos de uma educação privatizada, de ideologia neoliberal, estes profissionais são formados de acordo com a demanda de mercado, e não com qualquer intuito de questionar a realidade capitalista. Ideologicamente devem contribuir com a formação do sujeito para que ele tenha uma boa profissão e conquiste bens materiais e sucesso, estruturas para o conceito de felicidade da cultura do capital. Palavras definidas pela Indústria Cultural ao “fazer” artistas que expressem o que precisamos saber para nos manter socialmente equilibrados.
Toda naturalização desta cultura produz intelectuais e artistas orgânicos na manutenção desta ideologia. Segundo os autores da obra “Brevíssima Introdução à Sociologia Crítica”, a Ideologia é o discurso que mascara os verdadeiros interesses do indivíduo, que surge por meio de suas ações. É quando o professor explicita sua preocupação em relação ao desenvolvimento da criança, mas a proíbe de desenhar livremente ou pintar o mar de rosa. Este exemplo aplicado à educação infantil demonstra que o verdadeiro interesse do profissional é adaptar a criança à realidade, e não desenvolver seu potencial. E esta ação aparentemente incoerente não faz do professor um sujeito maldoso, mas um sujeito tomado pelos valores da Ideologia dominante que dita o certo e o errado, o que pode e o que não pode, o que é arte e o que não é. Assim como alguém que almeja em ser reconhecido como artista sofre com a exigência do mercado que propõe a adaptação de sua obra para que seja reconhecida como arte e atenda uma demanda ou nicho especifico de consumidores. Perde-se aí a honestidade do produto por meio de um processo mercadológico.
A Ideologia dominante não é reconhecida enquanto ideologia na cultura do capital. É naturalizada como comportamento humano. Qualquer outro discurso que questione esta ideologia é reconhecido pejorativamente como ideologia, construindo assim uma ideia comum de que ideologia refere-se a ideais utópicos, sem fundamentos, radicais e subversivos. Mas na sociologia, ciência que parte do senso comum para construção sólida de conceitos, esta compreensão divide-se em duas grandes teorias ou correntes de pensamentos sociológicos. Uma, inserida e de acordo com a ideologia do capital, naturalizando à condição social humana e valorizando conquistas individuais e outra que questiona esta naturalização e possibilita a imaginação, a criação, de uma nova realidade que compreenda e sacie as necessidades humanas básicas, sem invenções. Uma realidade que proporcione o uso fruto do produto àquele que o desenvolveu e não reduza sua força de trabalho, sua humanidade, sua existência a mais uma mercadoria à venda.