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Ensaio Reticom

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quinta-feira, 1 de junho de 2017

Relato do parto

Terça, 16 de maio. Celso e eu estávamos no segundo e último dia do curso de casais grávidos. Parto, amamentação, vacinas... Almoçávamos na casa da minha mãe, quando um corrimento, chamado por nós de geleia de abacaxi, apareceu vivamente. Comuniquei meu obstetra, que me recomendou ir ao Sofia Feldman (onde escolhi parir) verificar meu útero, meu tampão. Cabulamos a tarde de curso e seguimos orientações.
Chegamos lá por volta das 15h, e até ser atendida, por volta das 18h, pudemos acompanhar alguns casos mais alarmantes. Eu seguia com pequenas dores, sem periodicidade certa, e bem. Quando nos atenderam, me examinaram (um exame de toque terrível que garantiu que meu colo estava fechadinho) e comunicaram: "Não é política do hospital te deixar ir embora". Eu estava de 41 semanas e 3 dias! Caso eu optasse por ir, assinaria um termo de responsabilidade. Neste momento toda minha expectativa ruiu...
Passei a gestação, que não foi leve pra mim, planejando um parto natural, na casa de parto, com músicas sagradas, luz de velas e uma coroa de flores na cabeça, com as cores de Oxum, entre outras preciosidades das minhas crenças. Romântico! Na realidade, meu quadro já não me permitia a Casa de Parto e sugeria indução... Chorei. A escolha era minha... Voltar pra casa, arriscar coisas que não conheço como placenta velha, bebê desenvolvido demais, o que poderia favorecer uma cesariana posteriormente... Ou me internar e confiar naquela equipe na qual tanto investi este sentimento na gestação. Ficamos!
Fui internada às 18h30, mais ou menos. O primeiro atendimento foi acolhedor. Vimos o bebê, conversamos sobre a indução, a obstetra alimentou minhas expectativas e disse que não seria este processo que anularia meu parto desejado. Tudo poderia correr como esperado. Assistimos um vídeo lindo de um parto ocorrido lá, com indução, na água... Estava confiante de novo!
No primeiro leito, houve muita conversa, escuta, explicações... e uma espera até as 2h da manhã para começar a indução. Entendi isso como uma atitude de respeito à minha escolha. Mas não deu pra segurar mais. Introduzido, então, o primeiro comprimido.
A presença do meu companheiro, ao meu lado, todo o momento, foi essencial para que eu me mantivesse confiante. Os gemidos de dor ao redor, o encontros nos corredores, os olhares... Cada momento fez sentir-me segura, por não estar sozinha. E é impressionante a força que paira no ar quando no encontro de muitas mulheres. Gestantes!
06h da manhã, outro comprimido e nenhuma novidade lá dentro. O monitoramento das condições, minha e do bebê, eram constantes, humanas. Me explicaram muitas vezes o procedimento caso desse certo, e caso não. A indução poderia ter até seis comprimidos (muitas vezes não chegava à isso. Algumas vezes, não acontecia nada mesmo, passando para novos procedimentos - rompimento da bolsa, ocitocina sintética... cesárea!)
Troquei de leito antes do terceiro comprimido. Subi, me afastando mais das salas de parto... Meu quadro apresentava demora. No segundo leito, novo acolhimento, novas explicações, e as 10h30 um novo comprimido. Minhas dores eram leves, sem periodicidade certa.
Enquanto no primeiro leito eu ouvi mulheres parindo lá mesmo, sem tempo para mudar de sala, neste segundo, minha vizinha estava com 2cm de dilatação há horas... Todas no processo de indução de parto. Desesperei! Outro exame de toque para ver meu colo, e fechadinho! Seria cesárea, meu Plano de Parto tinha ido por água abaixo! Foi neste momento que a enfermeira perguntou: Cadê seu Plano? Por que não está aqui? Entreguei pra ela, revimos tudo e cada desejo meu já era política da maternidade. Mais uma vez, fui motivada a acreditar que meu parto ainda poderia ser natural, conforme descrito. Banhos quentes, caminhadas... seguimos acreditando. Ás vezes, meu companheiro mais do que eu. Neste momento, a visita de minha mãe me deu mais força e esperança. As coisas seriam como deveriam ser! Meu foco de repente era o bebê... Não mais meu sonho romântico de parto!
Enquanto nada acontecia, fiquei mais uma vez encantada com os cuidados desta instituição para comigo. Como vegana, nada me faltou nas refeições, nem nas conversas sobre as intervenções e vacinas. Me senti, muitas vezes, hospedada num bom hotel! =)
Fim da tarde do dia 17, quarto comprimido. Sentia a enfermeira tentando me manter esperançosa. Eu já nem queria tentar até o sexto... Celso teve que sair, fiquei sozinha por um momento quando um dor chegou para me torcer o útero. Enfim, uma contração, de verdade! Neste momento, a mulher da minha frente entrou em trabalho de parto, todos a acolhiam, eu me contorcia. A enfermeira,, de longe, me perguntava: "É contração, Priscila?" Porra, sei lá... muita água começou a sair de mim, e antes que eu pudesse perguntar, outra contração me calava o raciocínio. 2cm! Meu companheiro voltou, desesperou e outra contração. Muita dor... 4cm!! Rapidamente me levaram pra sala de parto. Chegando lá, 6cm! "Fica aqui até que a sala com banheira seja liberada. Você terá seu filho na água, conforme seu Plano". No chuveiro, conheci a enfermeira que acompanharia meu parto e minha doula voluntária, que ficou comigo todos os momentos. Numa tranquilidade sem igual, a cada contração, ela se abaixava comigo, olhava nos meus olhos, sorria... Jamais esquecerei aquele rosto, aquele semblante!
As contrações eram cada vez menos espaçadas. A água quente ajudava muito... E cada pessoa lá dentro, comigo... Novo exame, 10cm!!! A força vinha do corpo, nada se pensa nesta hora. E entre uma contração e outra, era como se nada tivesse acontecido. Conversava, ria e pensava que seria bom que meu filho tivesse um dia pra ele, e deixasse o dia 18 sendo aniversário só do pai. Estava tranquila... eram 20h e pouco. Nova contração! O que aliviava minhas dores, eram os comentários: "Ta quase", "Ele está vindo, Priscila", "Já da pra ver a cabeça". Em nenhum momento estas motivações cessaram, e eu trocava de posição a cada tentativa frustrada de não conseguir empurrar mais. Cócoras, em pé, de quatro, deitada... Nada aliviava aquilo que deveria ser feito. O dia estava acabando, minha energia também e o quadro não mudava. Bendito foi o pano que minha doula me deu para morder! Parece ter evitado que minha energia saísse pela boca, permitindo que concentrasse onde deveria: Lá embaixo!
Quase 0h. Estávamos todas cansadas, meu companheiro focado na saída do filho, me estimulava a não fechar as pernas, fazer mais força... Não desistir. Eu esqueci, naquele momento, que desistir não fazia parte da realidade. Não tinha mais força! Até que o monstro verde chegou!
Celso deixou minhas músicas tocando... Músicas que de fato me davam força, me concentravam. Mas eu só as ouvia nos pequenos minutos entre uma contração e outra. Minha doula já cantava comigo, de mãos dadas, olho no olho.
A chegada do monstro verde  - obstetra de plantão - foi para me lembrar que desistir não era uma opção. A força terrorista que ele me deu não era compatível com o lugar que escolhi, e com o momento em que eu vivia. Uma vez eu deitada, exausta, mandou me verticalizar. Sem sucesso. Seu discurso começou a trazer duras realidades... Fórcepes, vácuo e o risco do bebê não conseguir sair. Acho que muitas coisas eu apaguei da memória, mas não consigo esquecer o momento em que me vi vivendo tudo que eu não queria! De repente, a sala estava cheia. Eu estava deitada, com três pessoas segurando cada uma das minhas pernas, que insistia em fechar à cada empurrão, o obstetra com o copinho para puxar o bebê na minha frente quando começaram a forçar minha barriga, empurrando o bebê. Eu virei bicho! Não era nada daquilo! Não era pra ser assim... Por isso estava no Sofia! Eu empurrei à todos, me desvencilhei daquelas mãos, virei de costas para o monstro verde, e de quatro, com o pano na boca, de mãos dadas com minha doula, cujo olhar parecia ser tão complacente à minha situação, vi meu companheiro ao meu lado, e não mais lá, na expectativa da saída, ou chegada, do nosso filho... Estava comigo agora! Uma força indescritível me tomou e eu consegui por meu filho no mundo às 0h36. Senti meu períneo rasgar numa ardência desencorajadora, mas a sensação da passagem, seu corpo após a cabeça anulou tudo. Fez-se um silêncio na sala, ou em mim. Eu olhei para baixo e vi o cordão, e rapidamente me entregaram meu filho. Lindo! Parecia tão cansado quanto eu, com aqueles olhos atentos e tão vivos... A sala parece ter esvaziado... Éramos nós agora. Celso ao nosso lado e o mundo parou.
Quando as coisas ao redor voltaram lentamente, a pediatra surge na minha frente, com tranquilidade, felicidade e um olhar penetrante, dizendo que Ernesto estava bem. Que tudo havia sido organizado para examina-lo, que se apresentasse qualquer coisa, por ser muito grande (4,127kg e 52cm), pela demora, enfim, ele não viria aos meus braços, não esperariam o cordão parar de pulsar... Mas ele estava bem, e estávamos realmente felizes com isso!
Celso cortou o cordão, enquanto nossa doula o abençoava ao meu lado. Momento inesquecível! Estávamos, Ernesto e eu, cheios de sangue, suor e lágrimas quando expeli a placenta, e fomos devidamente apresentadas. As enfermeiras me mostraram, e apesar de lindo, nada mais parecia interessante diante daquele par de olhos cinzas que me encaravam. Melhor momento para levar os pontos... Fiquei lá, sendo costurada de pernas abertas, com Ernesto nos braços, meu marido ao lado e toda dor se deu sentido.    
A maternidade estava lotada. Agilizei meu banho, examinaram o Ernesto, Celso arrumou as coisas e liberamos a sala. Ficamos juntos em todos os momentos, e eu sabia exatamente o que e como fazer com meu filho.
Meu pós parto não está leve... Meu quadril deslocou e tomei muitos pontos. Mas nada neste processo me foi leve... Gestação de mal estar, queimação, indisposição, enjoos e vômitos durante as 41 semanas; um parto punk e uma pós de recuperação lenta. Todo um processo que me provou que dor e sofrimento são coisas distintas. Nenhuma dor física me tirará o que seu olhar, sua presença me traz. E que fui, sou e serei um escudo para João Ernesto, que teve uma vida intrauterina saudável, uma chegada tranquila e temos A pegada láctea!

Por fim, confesso que ganhei uma nova perspectivas sobre as mães, e acredito, agora, que "só as mães são felizes"!     

9 comentários:

  1. Eu gostei tanto do que eu li.
    Orgulho que sinto desta força que nunca perece e cada desafio, te fortalece. Prova que princípios não desaparecem diante destes desafios.
    João Ernesto terá em você toda a força necessária para crescer confiante e seguir sem medo os seus princípios.
    Será um guerreiro, tão forte e convicto quanto sua mãe.

    "Hay que ser duro, pero sin perder la ternura, jamás."

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  2. Nossa Linda sua narrativa, não fui mãe, mas a cada sobrinho q colocava em meus braços eu sentia esse amor imenso q é o encontro dos olhares... parabéns querida a vc, Celso e seu pequeno grande homem...q te fara muito mais feliz em sua caminhada... Bjão

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  3. Que bárbaro Priscila!!!! Você sempre foi guerreira e continuará sendo! parabéns por este processo mas muitos parabéns por esse bebê querido!!!! Mãe é mãe!!! Beijos querida e continue escrevendo que adoro ler seus textos.

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  4. Linda narrativa de um momento único e de grande importância pra você! Consegui imaginar tudo.. uaaauu!! Felicidades a sua Família!!!

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  5. Que lindo Pri.
    Emocionado com o texto e sua força!!!
    Felicidade pra família.
    Saudade.

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  6. Tututa!!
    Parabéns !!!
    Só tenho lágrimas em saber da sua história da maternidade. Parabéns por sua família que ainda não tive o prazer de conhecer. Bjs te amo, vc e sua família

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