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Ensaio Reticom

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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Q.

Uma amiga me contava sobre os momentos em que perdera seus dois filhos e o marido. Dois assassinatos e uma morte em casa. A dor pesavam as lágrimas que não escorreram daqueles olhos vivos, escondidos pelo óculos embaçado, mas não devastou sua expressão em rugas, carregadas de vida e história, nem levou seu sorriso desacostumado daqueles lábios. Contou-me com uma força surpreendente sobre o filho assassinado a facadas na porta de casa, devido alguma briga com vizinhos. A indiferença da polícia em mais um caso na favela e a justiça torta da vida que levou o assassino ao encontro de sua própria morte quando tentou assaltar uma delegada. Contou-me sobre seu outro filho, que bebia muito e foi atropelado. Nenhum socorro ou sombra de justiça. Ele estava bêbado... Contou-me sobre o corpo morto do marido sobre o sofá, num mal súbito que não teve um nome que esclarecesse. Falávamos de murmúrios protestos que ninguém ouvia, ou ilustrava só mais um acontecimentos comum nas favelas de SP. Minha amiga falou tudo, com tanta força, para que pudéssemos apresentar mais um murmúrio de protesto cênico, concluindo uma etapa do nosso trabalho. Em uma semana, me preparei para encontra-la e revivia suas histórias, que de manhã, no ônibus, me violentaram o peito com muito mais agressividade do que nas palavras e nos olhos dela. Me refiz para encontrá-la, para trabalharmos com toda aquela honesta e desentendida indignação. Me refiz para juntar meu murmúrio ao dela, que vivia a indiferença e a dor da morte tão mais perto e tão mais forte. Minha amiga faltou ao trabalho, faltou no dia da apresentação pois seu outro filho fora assassinado na semana. Facadas e bebida! Meu abraço me aperta, me esmaga... meu abraço que é pra ela.
Nas ruas, nesta mesma semana, grande parte dos munícipes tomaram as ruas, motivados como gota d'água, pelo aumento abusivo das passagens do transporte público. Tomaram as ruas, enfrentaram o choque e são tratados como vândalos pela mídia que bebe das tristezas como as de minha amiga. Mídia que se alimenta da dor, da desgraça como o capitalismo se alimenta da desigualdade, da pobreza, da desinformação.
Frente a tudo, me questiono sobre o que é justiça. Como se faz ou se deixa fazer.

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