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Ensaio Reticom

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

As pontes entre uma palavra e outra, tornam-me o que sou.

Eu era relativamente pequena, quando a realidade dos animais explorados pela nossa espécie me chocou. Eu sempre gostei de bichos, e quando entendi a situação não consegui diferenciar porcos, galinhas, vacas e bois de cães e gatos. O que na minha cabeça é tão lógico, foi e ainda é, um choque pra sociedade. Depois de um tempo, consegui entender que não haveria mudanças significativas na vidas destes animais, se o ser humano não passasse por transformações emancipatórias. Percebi em mim a desconstrução que a arte proporciona, ampliando o sentimento empático ao assumir a visão e o lugar do outro, comumente julgado. Na educação informal, conheci outro mundo inaceitável onde seres humanos mal conseguem se enxergar como sujeitos, e para que eles pudessem considerar as demais espécies, era necessário que eles pudessem se enxergar como uma especie também digna de ação e respeito.
A violação direta na vida de milhares de seres é tão comum, está tão naturalizada, que é necessário tempo, estudo e paciência para fazer com que os demais possam se comover com a desgraça óbvia. O que tanto cega? Percebi então que não haveria olhares empáticos para os outros, humanos ou não, enquanto cada indivíduo passar por necessidades. Quando olhei ao redor, percebi que há todo um esforço para que nunca deixemos de sentir necessidades, e quando as básicas estão supridas, o foco torna-se questões obsoletas. Então, "preciso" trocar de carro, não "chega" em mim a desgraça, sangue e dor dos que nem pensam num carro. E quando chega, soa tão distante... ah, eu não posso fazer nada! Todos ao meu redor pensam em carros, relógios, casas e viagens.
Vivemos em mundos paralelos, onde as pessoas se encontram de acordo com os valores que lhe são sagrados, e se esbarram quando opostos. No meio disso tudo, ainda insisto em saber de mim. Quem sou e quem me formo, o tempo todo. O que em mim cai, o que nasce, o que eu quebro, o que me arrancam. Olhei pro passado e (re)descobri, descolando o que a escola me impregnou, que já havia brasileiros antes dos portugueses. Encontro em minha indignação o espaço sagrado dos índios violados, mutilados desde sempre até sua escassa e árdua existência dos dias de hoje. E segui parada feito criança abobada, olhando um mundo de violações, onde mulheres, negros, índios, crianças, homens, porcos, galinhas, cachorros, coelhos, macacos, pássaros... Todos são tão impedidos de viver! Por quem??? Por que?? Unam-se os violados diretos, somos tão maioria encoleirados por poucos brancos, cegos, gordos!!
Se nada, na vida do outro, não te dói, não te incomoda, não te quebra um teco, não sou eu que vou insistir em abrir sua alma. A minha já anda tão exposta e me soa egoísta quando penso em fechá-la. Não quero mais explicar porque optei por dar aula num país onde o professor apanha da polícia e tem salário de fome. Não quero mais explicar porque não como, não visto e não uso animais. Não quero mais fazer entender porque a violação de um ser me incomoda, e nem porque consigo compreender quando os violados começam a violar. Não acho mais palavras para o que me é tão óbvio. A situação não exige mais explicação, implora um olhar. Implora um respirar profundo em silêncio, implora olhos nos olhos.
E hoje, neste momento sou (humana, mulher, adulta) educadora social, artista, feminista, anarquista, vegana! São os rótulos que resumem todo este texto, e com o esforço da construções de pontes entre uma palavra e outra, me faz quem sou.  

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