Páginas

Ensaio Reticom

Ensaio Reticom

quinta-feira, 21 de março de 2013

Crônica Irônica

"De súbito, ela caiu. Se apoiava cansada sobre a pia da cozinha, depois de chorar por um dia inteiro uma tristeza que não a pertencia, que apenas lhe invadiu e se instalou no peito. Seu olhar havia levado seus pensamentos em uma estrada estreita e brumosa, onde não se via mais nada na imensidão do branco. Não se ouvia mais nada... E num súbito, ela caiu! Caiu em prantos, com uma dor insuportável, que tentava arrancar às unhas, cavocando o próprio peito, abrindo fissuras na própria garganta. Seus olhos inchados já não suportavam mais tamanha produção lacrimal. E chorou! Chorou aos berros, aqueles cujo arranhar nas pregas vocais se faz com o resto de ar que há entre os órgãos, que apoia as vísceras. Sua avó, com seus oitenta e seis anos, mal sabia o que fazer. Mal suportava nos braços o peso da neta. Foi violentada pelo choro, envergonhando a menina que sofria sem argumentos.Como entender que a dor é do outro? Como explicar que tamanha tristeza não te pertence? Seu choro cessou ao abraço forçado da avó e seu corpo inóspito esparramou apoiando sobre as pedras geladas fixas no chão da cozinha. Seus olhos perdiam-se na busca de alguma razão. O ar não transitava em seu corpo. Não saía. Não entrava. Sem ar não há voz. Sentiu-se pela primeira vez imbuída de silêncio. Mas sua voz gritava num vácuo imposto. Que dor sufocava seu centro. Que grito amarrado e condenado à pressão silenciosa do ar se debatia em seu centro. Em alguns minutos, a menina levantou e foi tomar banho, deixando a velha de olhos arregalados, sentada sem jeito no chão. Com custo, a velha chegou ao telefone e buscou chamar sua filha, mãe da menina, morta há sete anos. Sem domínio do moderno aparelho, sem domínio de suas emoções, sem domínio do presente...
Nada como a força da água para lavar a alma e incentivar águas paradas. A menina chora. Chora agora o choro que é seu, nascido da incompreensão de uma dor avassaladora que lhe calou a gratidão e lhe embranqueceu as cores da vida."

Nenhum comentário:

Postar um comentário